A ideia de que o infarto é uma doença exclusiva de pessoas idosas está ficando para trás. Dados do Ministério da Saúde revelam que, entre 2022 e 2024, mais de 234 mil atendimentos relacionados a infarto ocorreram entre brasileiros com menos de 40 anos. O número acende um alerta entre especialistas, que apontam fatores evitáveis como os principais responsáveis pela crescente incidência da condição nessa faixa etária.
Tabagismo, colesterol elevado, hipertensão, obesidade, diabetes, uso de drogas e esteroides anabolizantes compõem o grupo dos maiores vilões. “O infarto não acontece do nada. A maioria dos jovens que sofre um episódio já apresenta fatores de risco que poderiam ser controlados”, afirma o cardiologista Rafael Côrtes, do Hospital Sírio-Libanês e membro da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
Segundo Côrtes, o cigarro continua sendo o fator mais comum entre os jovens infartados, mas o uso de anabolizantes chama atenção. “Mesmo quem parece saudável, mas usa hormônios para ganho estético ou esportivo, pode ter um risco até três vezes maior de infartar”, alerta.
Outro ponto de preocupação é o avanço dos cigarros eletrônicos entre os mais jovens. “O vape também tem efeitos prejudiciais ao sistema cardiovascular”, acrescenta o cardiologista Arthur Felipe Giambona Rente, da Rede D’Or São Luiz.
Nos últimos três anos, os homens representaram a maioria dos registros. Foram mais de 156 mil procedimentos ambulatoriais e hospitalares relacionados a infarto agudo do miocárdio em homens com até 40 anos. Entre as mulheres, esse número passou de 77 mil.
A maior concentração de casos está na faixa dos 31 aos 40 anos, mas há registros que envolvem adolescentes e até crianças. Os atendimentos incluem internações e tratamentos hospitalares, além de consultas e exames realizados de forma ambulatorial. Vale destacar que os números se referem aos procedimentos — uma mesma pessoa pode ter gerado mais de um registro.
A gravidade do quadro é reforçada pelo número de mortes. Entre 2022 e 2024, o infarto foi responsável por mais de 7,8 mil óbitos de pessoas com menos de 40 anos. São Paulo lidera com 2.490 mortes, seguido pelo Rio de Janeiro, com 622.
O cenário se agravou durante a pandemia de Covid-19. Houve queda na prática de atividades físicas, piora na alimentação e no sono, aumento do estresse e maior sedentarismo. “Essas mudanças favorecem o acúmulo de gordura visceral, que é inflamatória e associada a infarto precoce”, explica Côrtes.
Rente complementa que a própria infecção por coronavírus pode afetar diretamente o coração. “Estudos mostraram aumento de eventos cardíacos mesmo em jovens sem doenças prévias. A inflamação provocada pelo vírus atinge vasos e tecidos cardíacos.”
Além disso, a interrupção de consultas e exames durante o isolamento social atrasou diagnósticos e impediu a detecção precoce de fatores de risco.
A desigualdade social também influencia no risco e no desfecho dos casos. Regiões como Norte e Nordeste, com acesso mais limitado a serviços de saúde, concentram mais mortes por infarto entre jovens. “Muitos chegam tarde ao hospital, em condições mais graves, e nem sempre recebem o tratamento ideal”, ressalta Côrtes.
Para reverter essa tendência, os especialistas defendem ações integradas de prevenção. “É preciso atuar desde cedo, com campanhas nas escolas, incentivo a hábitos saudáveis e combate ao uso de substâncias nocivas”, diz Rente.
Na rotina clínica, a orientação é intensificar a triagem de fatores de risco em jovens, sobretudo os com histórico familiar de doenças cardiovasculares. “Quem tem pressão alta, colesterol elevado ou sinais de uso de drogas e hormônios precisa ser acompanhado com atenção”, finaliza.