O jornalista Renato Alves é finalista da 47ª edição do Prêmio Vladimir Herzog com um reportagem especial publicada no jornal O TEMPO sobre a Chacina de Angueretá. Ele, natural de Sete Lagoas, e o fotojornalista Fred Magno apuraram uma das histórias mais macabras da região central mineira ocorrida nos tempos da ditadura militar.
A reportagem sobre a Chacina de Angueretá foi publicada em fevereiro de 2025 em um caderno especial impresso e no portal de O TEMPO, incluindo conteúdos em áudio e vídeo (link). Os materiais trouxeram à tona um dos episódios mais sombrios da história brasileira.
Cinquenta anos antes, em uma fazenda em Angueretá – hoje distrito de Curvelo -, bombeiros encontraram 19 crânios em duas cisternas. Havia fortes indícios de mais ossadas enterradas na propriedade. Mesmo com suspeitas recaindo sobre policiais e fazendeiros da região, as investigações foram interrompidas abruptamente.
Em julho de 2024, após meses de pesquisa em arquivos públicos, o repórter Renato Alves e o fotógrafo Fred Magno seguiram para Angueretá. Durante duas semanas, visitaram também Curvelo e Sete Lagoas, cidades onde viveram autores, vítimas e testemunhas do massacre. Como setelagoano, o caso intrigava Renato Alves desde a infância:
:“Eu, que nasci e cresci em Sete Lagoas, sempre ouvia falar das ‘cisternas de Angueretá’. Mas eram informações vagas, cercadas de mistério. Cheguei a ver alguns dos personagens dessa história nas ruas cidade. Eram figuras temidas. Algumas delas protegidas por políticos e empresários. Gente poderosa. Ao decidir cursar jornalismo, há mais de 30 anos, coloquei na cabeça que um dia contaria essa história direito, dando nomes e sobrenomes.”
O trabalho contou com sete meses de apuração e o jornalista ressalta que a história ainda é pouco conhecida em sua cidade natal.
Moradores de Angueretá, assim como antigos investigadores, relataram que restos mortais ainda podem estar escondidos nas cisternas, em covas espalhadas por propriedades vizinhas ou até mesmo no leito do rio Paraopeba.
Parentes e amigos de vítimas e suspeitos compartilharam com os jornalistas memórias da chacina, os bastidores da investigação e os caminhos seguidos por acusados após o encerramento do caso.
As mortes, ocorridas entre 1964 e 1974, foram atribuídas a um grupo formado por fazendeiros e policiais locais, em pleno regime militar — período em que as liberdades civis estavam suspensas, e um novo código de processo penal militar dava às forças de segurança amplos poderes para prender e manter detidos cidadãos sem julgamento.
Em Angueretá, ao contrário do discurso oficial da época, que justificava o sumiço de pessoas como uma “limpeza social” contra bandidos perigosos, a realidade era bem diferente. Entre as prováveis vítimas, não havia condenados por crimes graves. Eram, em sua maioria, trabalhadores sem antecedentes, pequenos infratores ou pessoas com histórico de alcoolismo e brigas — vistas como incômodas pelos policiais.
A maioria desapareceu após o último contato com a Polícia Militar. Alguns foram alvos por desavenças pessoais com agentes. Já os próprios policiais acusados de integrar o suposto esquadrão da morte estavam envolvidos em crimes diversos, mas contavam com apoio político — muitos foram premiados com cargos públicos e aposentadorias. Um deles chegou a ser acusado de sequestro e assassinato para roubo e revenda de veículos.
Delegados da época chegaram a afirmar que os suspeitos eram culpados, com base em provas e confissões. No entanto, após as primeiras escavações nas cisternas, as investigações foram interrompidas. Os acusados mudaram suas versões, negaram tudo, e o caso desapareceu da imprensa, então submetida à censura militar. Em 2025, a reportagem revela que o distrito ainda convive com práticas semelhantes:
“Em minhas idas a Angueretá escutei avisos para não mexer no passado. Eu e o Fred Magno fomos alertados sobre a presença de pistoleiros, incumbidos de manter curiosos distantes. Ainda hoje, a pouco mais de 100km de Belo Horizonte, terras são tomadas à força e homens armados e encapuzados expulsam forasteiros.”
“Não faz muito tempo, uma família inteira foi expulsa do seu terreno, teve suas casas demolidas a mando de um empresário de Pompéu. E as mesmas pessoas que defendem ações de justiceiros, dizem não tolerar nenhum tipo de crime, nada fizeram em relaçãoa esta barbárie, sequer se manifestaram publicamente. Nem mesmo agentes públicos, pessoas eleitas com votos daquela comunidade”, complementa Renato Alves.
Com 50 anos de idade e 27 dedicados ao jornalismo, Renato Alves tem passagens por grandes veículos nacionais e já conquistou os mais importantes prêmios da imprensa brasileira, como Esso, Embratel e o próprio Vladimir Herzog (série de reportagens para o Correio Braziliense que revelou o conteúdo dos arquivos da Segurança Pública do Distrito Federal durante a ditadura militar). Também venceu o Eppy Awards, nos Estados Unidos, um dos mais prestigiados prêmios internacionais de jornalismo digital.
É formado em Jornalismo pela PUC Minas e pós-graduado em redes sociais. Ao longo da carreira, cobriu alguns dos principais acontecimentos globais deste século, como o terremoto no Haiti (2010) e as Copas do Mundo da África do Sul (2010) e do Brasil (2014).
Renato também integrou uma expedição à Antártida, ao lado de cientistas e militares, e é autor de três livros-reportagem: O Caso Pedrinho, O Povo da Lua e O Reino Eremita, este último resultado de anos de pesquisa e viagens à Coreia do Norte, Coreia do Sul e China.
Residente em Brasília desde 1998, onde iniciou sua carreira profissional, Renato faz parte da equipe de O TEMPO na capital federal desde 2020, quando o jornal implantou uma redação local para cobrir os três Poderes da República.
Fred Magno, de 47 anos, é fotojornalista mineiro, nascido e criado em Belo Horizonte. Com mais de uma década de experiência — sendo nove anos dedicados a O TEMPO — construiu uma trajetória marcada por grandes coberturas, que lhe renderam reconhecimento regional e nacional.
Entre seus trabalhos mais expressivos estão, além da reportagem sobre a Chacina de Angueretá, a cobertura da tragédia de Brumadinho e da crise humanitária dos Yanomami em Roraima. Este último trabalho lhe garantiu o prêmio na 1ª edição do Prêmio Nacional de Jornalismo do Poder Judiciário e uma indicação como finalista do Prêmio CNT de Jornalismo.
Com olhar sensível e preciso para a reportagem de impacto, Fred também foi responsável pelas imagens do projeto Grades Invisíveis, que conquistou o segundo lugar na categoria Fotojornalismo na 2ª edição do Prêmio Nacional de Jornalismo do Poder Judiciário, em 2025.
Em sua 47ª edição, realizada em 2025, o Prêmio Vladimir Herzog reafirma seu compromisso com a valorização do jornalismo que defende a democracia, a justiça e os direitos humanos. A premiação reconhece o trabalho de jornalistas, repórteres fotográficos e artistas gráficos que, em seu exercício cotidiano, mantêm viva a luta por uma sociedade mais justa e livre.
Mais do que uma homenagem à trajetória de Vladimir Herzog — jornalista torturado e assassinado em 25 de outubro de 1975, nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo — o prêmio celebra profissionais que, com coragem e responsabilidade, contribuem para a promoção da cidadania e dos direitos fundamentais.
A ideia de criar uma premiação voltada à temática da anistia e dos direitos humanos surgiu no Congresso Brasileiro de Anistia, realizado em 1978, em Belo Horizonte, por articulação do Comitê Brasileiro de Anistia (CBA). Naquele contexto, a proposta era estimular jornalistas e artistas a abordarem as violações cometidas durante a ditadura militar.
Originalmente concebido com foco latino-americano, o Prêmio Vladimir Herzog nasceu com a missão de denunciar os crimes da Operação Condor — aliança entre regimes autoritários do Cone Sul que compartilhavam informações e promoviam a perseguição e o assassinato de opositores políticos.
Atualmente, o prêmio é organizado por 18 instituições da sociedade civil, em parceria com a família Herzog. São elas:
A escolha dos vencedores será feita por representantes das entidades organizadoras e revelada no próximo dia 7 de outubro durante sessão pública presencial no Instituto Vladimir Herzog, em São Paulo.
Mais do que uma premiação, o Prêmio Vladimir Herzog é um marco na história da imprensa brasileira e latino-americana, mantendo viva a memória de quem lutou — e ainda luta — pela liberdade de expressão e pelos direitos humanos.
Fontes consultadas: O TEMPO e Prêmio Vladimir Herzog
Reprodução: SeteLagoas.com.br